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Modulação intestinal : Butirato - Evidências científicas

Butirato e seus benefícios para intestino e cérebro

O que é o butirato e como ele surge

O butirato é um dos ácidos graxos de cadeia curta produzidos principalmente pela fermentação de fibras dietéticas (e amidos resistentes) por certas bactérias no cólon — especialmente gêneros como Faecalibacterium, Roseburia, Coprococcus etc.

Grande parte do butirato produzido é consumido pelas próprias células do cólon (colonócitos) como fonte de energia, ajudando a manter a função e integridade da mucosa intestinal.

Uma fração — especialmente o que não é usado localmente — pode atingir a circulação sistêmica e influenciar órgãos distantes, inclusive o cérebro, via eixo intestino-cérebro.

Efeitos no intestino

O butirato é geralmente considerado um “bom cidadão” no intestino, com vários mecanismos de proteção e modulação:

Fortalecimento da barreira intestinal / integridade epitelial

  • Ele estimula a expressão de mucinas (ex: MUC2), contribuindo para a camada de muco que protege o epitélio.

  • Também induz fatores de reparo e regulação, como “trefoil factors” (TFFs), que ajudam na manutenção e cicatrização da mucosa.

  • Regula proteínas de junção entre células intestinais (tight junctions), ajudando a controlar a permeabilidade intestinal (“leaky gut”).

Atividade anti-inflamatória e imunomodulação

  • O butirato pode inibir o fator de transcrição NF-κB (um importante regulador de genes inflamatórios) e ativar PPAR-γ, contribuindo para reduzir a expressão de citocinas pró-inflamatórias (ex: TNF-α, IL-1β) e aumentar citocinas anti-inflamatórias (ex: IL-10).

  • Modula células do sistema imune local (macrófagos, células T) no intestino.

Regulação do metabolismo celular e apoptose

  • Em concentrações fisiológicas, o butirato promove a sobrevivência das células epiteliais do intestino. Em concentrações mais elevadas (ou sob certas condições), pode induzir apoptose de células danificadas ou potencialmente neoplásicas — que é parte de seu papel protector contra câncer de cólon.

  • Também atua como inibidor de histona deacetilase (HDAC — histone deacetylases), modulando expressão gênica no intestino.

Efeitos metabólicos & regulação do trânsito intestinal

  • Os SCFAs, incluindo o butirato, modulam motilidade intestinal (por ação neural e hormonal) e influenciam hormônios intestinais como PYY e GLP-1, via ativação de receptores acoplados a proteínas G (GPRs).

  • Também podem intervir na sinalização metabólica, integrando função intestinal, absorção de nutrientes e comunicação com órgãos distantes como fígado.

Efeitos no cérebro / sistema nervoso / eixo intestino-cérebro

Aqui as evidências são mais recentes, muitas ainda em modelos animais ou celulares, mas promissoras.

Mecanismos propostos

  1. Inibição de HDAC / modulação epigenética

    • O butirato é um inibidor de histona deacetilase (HDACi), o que pode facilitar a acetilação de histonas e permitir uma expressão gênica mais “ativa” em genes neuroprotetores ou de plasticidade sináptica.

    • Via esse mecanismo epigenético, pode modular expressão de fatores de sobrevivência neuronais, fatores de crescimento, genes anti-inflamatórios etc.

  2. Modulação da barreira hematoencefálica (BBB — blood-brain barrier)

    • Estudos mostram que os SCFAs (incluindo butirato) podem preservar ou restaurar a integridade da BBB, promovendo a expressão de proteínas de junção e reduzindo a permeabilidade.

    • O mecanismo envolve inibição de sinais inflamatórios (ex: NF-κB) e ativação de vias como Nrf2, além da modulação epigenética.

  3. Redução da neuro inflamação / modulação de micróglia

    • O butirato pode suprimir a ativação microglial e a produção de citocinas pró inflamatórias no cérebro.

    • Em modelos de estresse ou depressão, suplementação de butirato ou ativação de via de SCFAs melhorou comportamentos depressivos e dano neuronal, possivelmente por reduzir estresse oxidativo ou inflamação central.

  4. Estimulação de fatores de neuroplasticidade / neurotrofinas

    • Alguns trabalhos associam butirato ao aumento de BDNF (fator neurotrófico derivado do cérebro) e melhoria da neurogênese, favorecendo plasticidade sináptica.

    • Isso poderia ter impacto em memória, aprendizado e proteção contra doenças neurodegenerativas.

  5. Modulação via receptores de proteína G (GPRs / FFARs)

    • O butirato pode atuar como ligante para receptores como GPR109a (HCAR2), FFAR2/FFAR3 etc., gerando sinais de modulação imunológica e metabólica que atingem o cérebro através de mensageiros ou células imunes.

    • Também pode participar da sinalização vagal (nervo vago) em comunicação intestino cérebro.

Evidências específicas (modelos animais / humanas)

  • Em modelos de Parkinson, suplementação com acetato de sódio de butirato, mostrou efeitos neuro protetores: melhora motora, aumento de neurotransmissores, diminuição de inflamação e correção da disbiose intestinal.

  • Em estresse agudo em camundongos, identificou-se que a microbiota produtora de butirato regula ferroptose (morte celular dependente de ferro) nos neurônios do córtex pré-frontal, e suplementação de butirato protegeu contra comportamento depressivo induzido.

  • Em camundongos envelhecidos ou com microbiota alterada, foi observado que a redução de bactérias produtoras de butirato leva a comprometimento intestinal e alterações cerebrais; administração de butirato reverteu parte dessas disfunções.

  • Um estudo humano recente encontrou correlação entre ingesta dietética de butirato / níveis fecais de butirato e desempenho cognitivo em pessoas idosas: indivíduos com níveis mais elevados apresentavam melhor performance cognitiva e menores biomarcadores de Alzheimer.

  • Revisões mais amplas têm destacado o potencial do butirato e dos SCFAs no tratamento adjuvante de doenças como Alzheimer, Parkinson, autismo, demências etc.

Em síntese: embora ainda haja lacunas, o conjunto de evidências apoia a hipótese de que o butirato — especialmente derivado da microbiota intestinal — possa exercer efeitos neuro protetores, anti-inflamatórios, de manutenção da barreira e de estímulo à plasticidade cerebral.

Limitações

É importante manter uma visão crítica e reconhecer que nem tudo é ideal nem completamente compreendido. Alguns pontos de atenção:

  • Dose / concentração: em certas circunstâncias e em níveis elevados, o butirato pode ter efeitos indesejados — por exemplo, induzir apoptose em células epiteliais ou modular genes de forma não desejável. É por isso que muitos artigos referem o butirato como “faca de dois gumes”.

  • Contexto celular / tipo de tecido: o efeito do butirato depende muito do tipo de células, do microambiente, das concentrações locais e da presença de outros fatores (nutrientes, microbiota, inflamação).

  • Translação para humanos: muitos resultados são de modelos animais ou estudos in vitro. A biodisponibilidade e a quantidade de butirato que efetivamente chega ao cérebro humano através da circulação ainda não está bem estabelecida.

  • Efeitos sistêmicos / metabolismo: como ele influencia muitos processos metabólicos, há potencial para interações com outras vias (ex: metabolismo lipídico, sinalização hormonal) que podem modificar o efeito “ideal”.

  • Risco de disbiose ou desequilíbrio microbiano: em condições de disbiose ou microbiota alterada, a produção de butirato pode estar comprometida — mas suplementações exógenas ou intervenções microbiota dependentes devem ser bem estudadas para evitar efeitos adversos.

Artigos revisados:

  1. Bourassa MW, Alim I, Bultman SJ, Ratan RR. Butyrate, neuroepigenetics and the gut microbiome: Can a high fiber diet improve brain health? Neurosci Lett. 2016;625:56-63. doi:10.1016/j.neulet.2016.02.009

  2. Canani RB, Costanzo MD, Leone L, Pedata M, Meli R, Calignano A. Potential beneficial effects of butyrate in intestinal and extraintestinal diseases. Adv Nutr. 2011;2(6):560-4. doi:10.1093/advances/nmx009

  3. Louis P, Flint HJ. Formation of propionate and butyrate by the human colonic microbiota. Cells. 2023;12(4):657. doi:10.3390/cells12040657

  4. Ma C, Ma Z, Li W, Ma S. Butyrate as a potential therapeutic agent for neurodegenerative diseases. Prog Neuropsychopharmacol Biol Psychiatry. 2024;132:110939. doi:10.1016/j.pnpbp.2024.110939

  5. Sun J, Chen X, Zou J, Chen Y, Li J, Peng Y, et al. Butyrate enhances memory and neuroplasticity in aging: A potential therapeutic strategy. Front Aging Neurosci. 2025;17:1522498. doi:10.3389/fnagi.2025.1522498

  6. Xu J, Zhang X, Li Z, Wang M, Li Q. Sodium butyrate ameliorates gut dysfunction and motor deficits in a Parkinson’s disease model. Front Aging Neurosci. 2023;15:1099018. doi:10.3389/fnagi.2023.1099018

  7. Lee J, Hwang Y, Han S, Kim J, Kim H. Gut microbiota-derived butyrate regulates BBB integrity and reduces neuroinflammation. JCI Insight. 2023;8(4):e168443. doi:10.1172/jci.insight.168443

  8. Hu J, Zhao Y, Tan Y, Zhou L, Chen Z. Butyrate improves intestinal barrier and brain function through the gut–brain axis. World J Clin Cases. 2022;10(6):1754-65. doi:10.12998/wjcc.v10.i6.1754

  9. Li J, Wu J, Wang Y, Zhang Y. The role of butyrate in the regulation of metabolic homeostasis and its therapeutic potential. Nutrients. 2025;17(8):1305. doi:10.3390/nu17081305

  10. Gasiorowska A, et al. Butyrate to combat obesity-associated inflammation. Mol Neurobiol. 2019;56(12):8174-88. doi:10.1007/s12035-019-1518-1

  11. Yoo HJ, Park S, Kim HJ, et al. The effects of sodium butyrate supplementation in obese individuals: study protocol for a randomized controlled trial. Trials. 2022;23(1):52. doi:10.1186/s13063-022-06891-9

  12. Bishehsari F, Engen P, Preite N, Tuncil Y, Naqib A, Shaikh M, et al. Dietary fiber treatment of the obese microbiome improves cognition via SCFA signaling. J Neuroimaging. 2020;30(4):539-47.

  13. Stilling RM, van de Wouw M, Clarke G, Stanton C, Dinan TG, Cryan JF. The neuropharmacology of butyrate: The bread and butter of the microbiota–gut–brain axis? Front Endocrinol (Lausanne). 2020;11:25.

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Da bancada ao consultório: minha jornada entre a Farmácia Clínica e a Estética Regenerativa

“Regenerar a pele é, em última instância, reprogramar o comportamento celular.”

Como a ciência, a epigenética e o cuidado humano se encontraram na construção de uma nova forma de fazer saúde.

Por Dra. Krisna Ridzi Farmacêutica Clínica e Esteta — CRF-RJ 32428 | RQE 0706-45

Clínica Krisna Ridzi – Saúde Integrativa & Estética Regenerativa | Petrópolis – RJ

O ponto de partida: um desejo antigo de unir ciência e cuidado

Nada na minha trajetória aconteceu por acaso.

Antes de me tornar farmacêutica, minha primeira formação foi em Direito — e durante anos, a lógica e a legislação fizeram parte do meu dia a dia.

Mas, mesmo imersa no mundo jurídico, eu sabia: minha verdadeira vocação estava na saúde.

Em 2018, decidi ouvir esse chamado e iniciei a graduação em Farmácia.

Foi o início de uma jornada que uniu ciência, ética, qualidade e humanidade.

“O que eu buscava não era uma nova profissão, e sim um novo propósito: entender a vida sob a ótica bioquímica e humana.”

Quando a microbiota me mostrou o poder da interconexão

Durante a graduação, tive o privilégio de participar de um projeto de biotecnologia microbiana sob indicação da Prof.ª Fernanda Peixoto. O projeto era, e ainda é, conduzido pelo Pesquisador microbiologista Rafael Peixoto.

O projeto é sobre o desenvolvimento de consórcio microbiano com impacto sobre obesidade e depressão.

Minha parte no projeto era a regulatória — mas, à medida que estudava as interações entre microbiota e cérebro, algo mudou:

Percebi o quanto a bioquímica influenciava comportamento, humor, imunidade e até envelhecimento.

Foi ali que nasceu minha primeira paixão na Farmácia: entender o corpo como uma rede viva e interligada, e não como um conjunto de partes isoladas.

O início nem sempre é fácil: a virada inesperada

Quando me formei, vieram os primeiros “nãos”.

Fiz processos seletivos em farmácias, laboratórios, indústrias — e nenhum deu certo.

Até que surgiu uma oportunidade completamente fora do roteiro: uma dermatologista que iniciava na estética me convidou para desenvolver peelings e formulações personalizadas. Aceitei.

E ali começou um novo capítulo: o encontro entre farmacologia, pele e resultado clínico real.

Iniciei minha pós-graduação em Estética, e mergulhei em cursos com Nelson Maurício, Lucas Portilho, Matheus Stuecker, Carlos Varella e Márcio Guidoni.

Viajei pelo Brasil, conheci mestres, fiz grandes amigos e descobri que a Farmácia podia transformar o corpo e a autoestima com base científica.

A qualidade que salva vidas: meu mergulho nas Terapias Avançadas

Mesmo apaixonada pela estética, algo ainda me pulava para o campo técnico e regulatório.

Foi assim que entrei para o Laboratório de Medicina Regenerativa da UNIFASE/FMP, um Centro de Processamento de Células Tronco Humanas especializado em Terapias Avançadas.

Entrei como Analista de Qualidade — e logo me vi implantando um Sistema de Gestão da Qualidade (SGQ) completo.

Estudei as RDCs da ANVISA, as Instruções Normativas, as Normas ISO e os guias da ICH, especialmente o ICH Q9 e Q10 – Pharmaceutical Quality System, que define os pilares da Qualidade Farmacêutica moderna:

  • Liderança ativa e responsabilidade da direção

  • Gestão de recursos e conhecimento

  • Controle do ciclo de vida do produto

  • Melhoria contínua

  • Gestão de Risco de Qualidade

Com a adesão do Brasil ao PIC/S em 2021, passamos a seguir padrões internacionais de Boas Práticas de Fabricação (BPF), aplicáveis também ao processamento de células humanas.

Foi ali que entendi que Qualidade não é burocracia — é compromisso com a vida.

“Garantir qualidade é garantir que cada célula processada tenha a mesma chance de salvar uma vida.”

Células, ciência e propósito

No CPC, processávamos células humanas autólogas — retiradas do próprio paciente, cultivadas e devolvidas a ele como medicamento regenerativo.

Trabalhávamos com fragmentos do septo nasal, isolando e cultivando células condroprogenitoras, submetendo-as a rigorosos controles microbiológicos e morfológicos.

Aprendi que o farmacêutico da qualidade é um cuidador invisível — longe do paciente, mas essencial para sua segurança.

“A qualidade não é um setor. É uma cultura, uma mentalidade, uma forma de respirar dentro do laboratório.”

Do laboratório ao consultório: onde a ciência encontrou o olhar humano

Durante um tempo, vivi entre dois mundos: o das salas limpas e protocolos rígidos, e o do consultório com pessoas reais e histórias únicas.

E percebi que esses mundos não eram opostos — eram complementares.

Comecei a aplicar na estética os mesmos conceitos da Gestão da Qualidade: rastreabilidade, padronização, segurança e ética.

E, da clínica, levei para a ciência o olhar humano, a empatia e o propósito.

“A qualidade e o cuidado não são opostos — são complementares.”

Farmácia Clínica, Epigenética e Estética Regenerativa: a tríade da nova saúde

A busca por integração me levou à pós-graduação em Farmácia Clínica e Prescrição Farmacêutica.

Queria entender a fisiologia por trás de cada pele, cada sintoma e cada resultado.

Foi nesse ponto que conheci o poder da Epigenética — a ciência que mostra que nossos genes não são destino, mas resposta ao ambiente, ao estilo de vida e às emoções.

Hoje, aplico esses princípios na prática clínica:

  • Ativos orais e tópicos que modulam vias bioquímicas de regeneração,

  • Protocolos que estimulam a autorreparação celular,

  • Leitura funcional dos exames laboratoriais, observando marcadores inflamatórios, hormonais, hepáticos e intestinais,

  • Testes genéticos com painéis elaborados por mim, como via acertiva de modulação metabólica.

“Eu não trato manchas, rugas ou flacidez. Eu trato o terreno biológico que gerou tudo isso.”

”Essa é a base da Farmácia Regenerativa: usar a ciência para restaurar função e não apenas aparência.”

Os desafios de ser técnica, clínica e comunicadora

No empreendedorismo em saúde, o conhecimento é só o primeiro passo.

O resto é coragem, comunicação e constância.

Aprendi que o desafio não está em vender procedimentos, mas em educar o paciente.

Mostrar que estética é ciência, que cada pele tem seu tempo e que a beleza verdadeira nasce de dentro pra fora.

E no meio desse caminho, descobri que o marketing é o calcanhar de Aquiles de quem faz com propósito — mas também a ponte entre o que fazemos e quem precisa ouvir.

“Ser clínica com a cabeça de pesquisadora e o coração de quem cuida — esse é o verdadeiro equilíbrio.”

Hoje: a ciência continua, mas com alma

Na minha clínica, aplico tudo o que aprendi: da cultura de células à cultura do cuidado.

Trabalho com protocolos funcionais, personalizados e regenerativos, que respeitam a biologia e o tempo de cada paciente.

Acredito que a Farmácia do futuro é integrativa, regenerativa e humana.

“A ciência me ensinou o método. A estética me ensinou o olhar. Mas foi o paciente que me ensinou o propósito.”

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